quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A minha querida Rainha de Espadas


A Rainha de Espadas

Andre Kadanr



"Liberdade é pouco, o que eu almejo ainda não tem nome"

(Clarice Linspector)



   Rainha de Espadas de Alimomo


        É com muito orgulho, que escrevo sobre o perfil de uma mulher que marcou minha vida! Cleusa Rosa Soares, foi primeiramente, filha de Marieta Rosa Soares, uma mulher íntegra do interior do Rio de Janeiro, que apaixonada por seu namorado, Barulho Soares, foi raptada à cavalo e trazida para a cidade do Rio.
Mãe aos seus dezessete anos de idade, enfermeira, líder comunitária, uma espécie de "sacerdotisa cristã", que desde cedo, manteve sua fé e imponência em livrar as mentes assoladas por "demônios", ou seja, cultos de libertação. Cuidou de inúmeras crianças de rua em sua própria casa, os educou e os entregou ao serviço militar sem o menor apego. A única coisa perceptível era seu orgulho em contar seus feitos e criticar a sociedade por tanta falta de solidariedade.
Criou seus sete filhos às custas da loucura dos pacientes do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba de Niterói. Nunca foi aquela mãe que meus tios gostariam de ter, mas uma perfeita avó.
        Cleusa, descendente de portugueses e italianos, era uma mulher muito bonita, com cabelos lisos e muito fino, com um testa pequena, mas bem desenhada e com entradas, como se fosse um homem, porém, jamais teve aparência masculinizada.


Joana D'arck


        Dona de um temperamento analítico e sagaz, crítico e indomável era capaz de de manter a atenção de todos em seus discursos, era chegada a falar - isso era mesmo. Não suportava mentira. Tinha verdadeiro orgulho em ir às urnas votar e falar em política, como criticava a politica! Falava o Português e era apaixonada por línguas estrangeiras. Aliás, um de seus grandes sonho era ser poliglota. Aprendeu um pouco de Alemão em casa, com um dicionário que era de seu avô Barulho, à quem ela tinha total adoração. Um de seus lemas era: “Manda quem pode e obedece quem tem juízo!”, ditado popular passado por seu avô.

        Dona Cleusa, assim era conhecida a minha Rainha de Espadas particular e não pensem que era um doce de mulher, muito pelo contrário, era temida por todos do bairro e por “bocas miúdas”. Bem, à miúde, chamavam-na de “Dona Encrenca”. Sim, ela era a Senhora dos Desaforos, não falava com quase ninguém do bairro. Onde havia uma confusão, lá estava ela pronta para tomar as dores alheias e, acabar tomando para si a causa e, virar A heroína com autoridade na situação. Lembro-me, de um dia que, um vizinho veio às pressas para me contar que tinha a encontrado dando uma lição de moral em um assaltante em pleno centro da cidade. Quando tinha algo em mente era uma águia para executar seu raciocínio rápido e lógico. Manipuladora a todo vapor, não sossegava enquanto tudo estivesse em perfeita ordem e conforme sua vontade, mesmo que para isso, tivesse que sacrificar outros ao seu redor.
        Piedade nunca foi sua virtude, sempre preferiu a justiça, mesmo que a sua própria.


                                               Marie Curie



Ela, a Rainha de Espadas, amou isso com certeza, mas um único homem chamado, José Rodriguez Soarez, meu avô, no entanto esse amor durou o tempo do primeiro e segundo filho, meu pai Murilo Rodriguez, o primeiro e, minha tia Marília, que aos seus doze anos de meu pai, ela viveu a separação e o abandono de meu avô, que literalmente, foi viver um grande amor. Depois da separação minha Rainha de Espadas, ficou de luto e como era dotada de um lealdade inabalável, ficou inconformada pela falta de consideração por parte de meu avô. Ela sempre respondia as amigas com um tom de ranger de dentes, “Não sou viúva, mas estou de luto!”. Luto por um marido, sim, marido, pois ele nunca voltou, nem para fazer a separação legal.
        Ela, minha Rainha de Espadas, depois de 8 anos casou-se com Pedro Pereira, um Pastor, mulato, formado em Teologia na cidade de Niterói/RJ. Com ele, teve cinco filhos, contudo, ela sempre foi a Chefe da casa e quem ditava às ordens. Pedro, era adorado pelos filhos e, ela, era tida bom a Bruxa Rabugenta, que torturava os filhos. O segundo casamento, sempre foi assolado pelo fantasma de José Rodriguez, o seu grande e eterno amor, que até então, para ela ele foi o perfeito homem de sua vida, nunca ouvi ela falar nada além de elogios a respeito de meu avô.



                                                                         Maria Quitéria




        Depois de 15 anos de casamento com seu segundo marido, a loucura bate à sua porta. Pedro surta e, desenvolve turbeculose. Sua vida de esposa, passa para ser de "mãe" novamente. Acostumada com a loucura, ela tratou de sua doença até a sua morte, que durou 13 meses.
        Passou então a manter sua família com seu trabalho e suor do Hospital. Os filhos, nessa época, ficavam com minha adorável bisavó, Marieta, que até o dia de sua sua morte, todos da família a chamava de Mãe. E, minha Rainha de Espadas, era chamada de Mãe Cleusa. Nunca, nem eu e nem ninguém conseguiu fazer uma festa para ela de comemoração de aniversario, simplesmente porque ela saia de casa para ver as amigas e, quando voltava, justificava-se dizendo "detestar festas de aniversário". Nunca acreditei que ela fosse ver as amigas - para mim ela passava só, viajando por aí à fora. Tinha paixão por viagens, e sempre, fazia amigos, que nós da família não conhecíamos. De vez enquando, era comum eu atender telefonemas de pessoas que eu nunca tinha visto e vê-la falar por horas no telefone - todos ficávamos com aquela cara de curiosidade, olhando um para o outro.
        Aos seus sessenta anos, sua memória, personalidade e caráter foi se perdendo, àquela mulher, autoritária deu-se lugar ao esquecimento, agora uma velha amiga e companheira, se faz presente em sua vida, o Mau de Alzheimer. E, aos sessenta e seis, ela nos deixa, por complicações de sua doença.



                                                                     Rainha de Espadas   Shirl Sazynski

Com minha avó, aprendi muita coisa, aprendi a ser resistente e a não ter medo de conflitos.
Aprendi que não precisa usar máscaras para viver, ser autêntico é a melhor opção e a mais justa comigo mesmo.
Independência é fato e necessidade fisiológica.
Aprendi a ser frio quando e necessário e ser caloroso quando é propício.
Aprendi que amor é algo valoroso e que apesar de tantos desenganos, cada uma ama a sua mameira e espaço interno.
Aprendi a racionalizar minhas emoções e ser cruel para a crueldade. Aprendi que perdão não existe, até que me paguem o dano causado, mesmo que com o tempo e o esquecimento.
Aprendi que obediência e servidão é aprisionamento de alma.
Aprendi que Rainhas de Espadas não são viúvas, apenas estão de luto por sociedade morta e sem coragem de dar a cara a tapa e assumir as consequências de seus atos.

Fico por aqui, com minha Rainha de Espada e seu corte que nunca, nunca cicatriza...


8 comentários:

  1. Emocionadíssima!!!! Fácil agora entender a Minha "Rainha de Espadas" aqui de casa.
    Beijos

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  2. Tigresa ,perfeito! Que voce tenha um 2012 iluminado em todos os sentidos!

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  3. Fantástico! Vc mexeu com nossas copas, falando de espadas. Tirou o coração da espada e nos mostrou que a nossa rainha armada em sua plenitude. O universo tarológico só pode muito se alegrar com um escritor e pensador como vc! parabéns!!!

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  4. Amariacris,trazer a vida à toma é muito rico em movimentos internos, também foi muito bom falar sobre minha avó.

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  5. Alexsandre, justamente. Quando digo que admiro RE é por isso,RE aprende a ser fera por viver somente entre feras e geralmente seu amor é para poucos. Muito obrigado.

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  6. Texto emocionante! Que Rainha de Espadas maravilhosa! Parabéns Andre.

    Feliz 2012!

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  7. AlgustoCrowley, muito obrigado. Um feliz ano novo para vc também.

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